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Olhar de fora

01 de julho 

Por Larissa Pinto e Catarina Barbosa

 

Os moradores do Centro Histórico se vestem de fé. A sensação de pertencimento ao bairro é grande, mas o pertencimento à famosa Mariana barroca é ainda maior. À tarde, a rua Dom Silvério é tomada por carros e durante todo o dia o fluxo de caminhões e carros leves é grande. Isso incomoda os moradores que já chegaram a fazer um abaixo-assinado para o Iphan, como conta Lourdinha. Quase todo o Centro é dominado por pessoas mais velhas que moram nos casarões barrocos desde que nasceram ou se casaram. Terços acontecem no secreto das casas entre antigos amigos.

Andando pela rua, encontramos Neide, uma senhora que carregava a figura da Mãe Rainha de Schoenstatt. Enquanto conversamos, ela abaixa e beija a imagem da santa num gesto de afeto e devoção. Aos meus olhos, Neide é um bom retrato dos moradores do bairro.

Irmã Conceição tem 90 anos e vive em Mariana há 35. Sempre com um semblante sereno, conhece bem a cidade, chegou nos anos 80 e lembra como Mariana se resumia ao centro. Segundo ela, o bairro Cabanas era deserto, não havia nada a não ser o centro histórico. Aos seus olhos, a Colina já é uma cidade com vida própria pela forma como cresceu.

Depois de tantos anos em Mariana, a irmã afirma que se algum dia tivesse que ir embora seria uma mudança muito dolorosa; ela se vê como parte de Mariana.

Em um momento de nossa conversa diz “os moradores em si” para se referir às pessoas que já viviam em Mariana antes da chegada das mineradoras ou da universidade. Para ela, o contato entre ‘moradores, estudantes e funcionários de mineradoras’ é frio, as pessoas são como completos “estranhos”, o único vínculo mantido são cumprimentos distantes pelas ruas da cidade.

 

23 de setembro de 2015

Por Larissa Pinto

 

José é motorista há mais de 40 anos e já trabalhou para a Vale. Apesar de não morar no Centro, percorre o bairro com frequência e conta como a Dom Silvério foi a última rua da cidade a ser aberta e, por isso, recebeu o nome de Rua Nova por um tempo.

Raimunda conhece bem o Centro, vive em Mariana desde que nasceu e, a seu ver, os moradores se relacionam como irmãos, em especial na rua Dom Silvério. Ela afirma não ver problema com a chegada de novos moradores na cidade e acredita não haver nenhum distanciamento, mas quando perguntei se tinha contato com alguém que trabalhasse na Vale ou com algum estudante da universidade, Raimunda afirmou que não.

Lourdinha é bem conhecida na rua, ouvi seu nome diversas vezes antes de conhecê-la. Como toda senhora vaidosa, não quis revelar a sua idade. Segundo ela, uma das maiores mudanças na cidade foi o fluxo de carros e, em especial, de caminhões na rua. Lourdinha afirma que não há distância no contato entre os moradores do Centro, os estudantes e trabalhadores de mineradoras, mas, ao se referir às pessoas que trabalham na Vale, por exemplo, ou aos estudantes, ela usa o termo “aqueles” com um distanciamento perceptível. Há uma muralha invisível na rua, as pessoas que moram na parte de baixo da Dom Silvério não mantêm contato com quem mora mais próximo à Igreja São Pedro, talvez por conta da distância, mas há uma nítida separação entre os moradores. Regina declarou que quando se reúnem para rezar o terço ou fazer novenas, participam apenas as pessoas quem moram do Colégio Providência para baixo. É como se existissem duas Dom Silvério em uma rua só.

Centro

01 de novembro de 2015

Por Larissa Pinto

 

Arthur faz parte do que muitos moradores dos Centro costumam chamar de família tradicional. Desde sempre teve uma chácara no Morro do Santana e quando perguntei qual parte da cidade tinha um lugar especial em seu peito ele não teve dúvidas, o lugar era o Gogô.

Para ele, Mariana mudou muito. Antes todos se conheciam, era normal jogar conversa fora. Hoje, as pessoas se cumprimentam na rua, mas não há nenhum vínculo. Era fácil reconhecer as pessoas pela cidade, bastava perguntar com um tom bem-humorado "você é filho de quem?" e pronto.

A chegada de "pessoas de fora", como descreve, alterou essa realidade. Para Arthur, não há mais união entre os moradores.

Para Marly, Mariana se tornou uma cidade-dormitório e seus moradores não se preocupam em incorporar o espírito que ela carrega. Marly acredita que a cidade hoje é fragmentada, um aglomerado de pessoas, como descreve, onde não há visão coletiva.

Enquanto isso, a banda de Furquim começa a tocar no Jardim e Marly se lembra da história de sua família com a cultura da cidade. E que história! Seu avô foi um dos fundadores do Cine Teatro de Mariana, parentes faziam parte da orquestra da cidade e tocavam a trilha sonora dos filmes mudos da época. Tudo isso ajudou Marly a desenvolver um amor enorme pela cultura. Hoje, ela sente um pesar enorme ao observar que a cidade vem perdendo esse contato.

Essa não e a única coisa que a preocupa, porém. Segundo Marly, não só a chegada das mineradoras gerou uma separação na cidade como a chegada da Ufop também. Para ela, existe um distanciamento entre as pessoas dessas instituições "novas" na cidade. O convívio é formal demais e não permite uma aproximação genuína entre os moradores. Os professores da universidade também mantêm essa barreira e criam um "mundo dos doutores" distante dos moradores de Mariana. Marly acredita que as pessoas ainda precisam incorporar o modo de vida marianense e sentir que pertencem à cidade.

 

"Meu umbigo tá enterrado nesse jardim". É o que diz Eloisa ao lembrar dos tempos em que brincava no Jardim enquanto passeia pelo mesmo local de braços dados com sua mãe, Laiza. Em pouco tempo caminhando com as duas pude perceber que são bem conhecidas na cidade. Nossa conversa se misturava com as pessoas que iam cumprimentando-as pelo trajeto.

Enquanto a filha é calma, Laiza diz o que pensa sem papas na língua e mostra o descontentamento por não conhecer mais as pessoas como antigamente. Eloisa pondera e afirma que muitos se mudaram pela falta de oportunidade, mas ainda existem pessoas com raízes marianenses. Conforme a conversa foi se desenvolvendo, a filha cita um dito usado pelos moradores da cidade, "Mariana é uma boa madrasta, mas uma péssima mãe". Explica: as oportunidades aparecem com mais facilidade para aqueles que vêm de fora e poucas vezes se apresentam para os próprios marianenses. Por conta disso, muitas vezes as pessoas nascidas em Mariana costumam "tentar a vida" fora.

Eloisa concorda com a mãe em uma coisa: falta entrosamento entre os moradores da cidade hoje em dia, mas observa que existem pessoas de lugares diversos que receberam outro tipo de educação e têm costumes distintos. Sobre a chegada das mineradoras à cidade, Eloisa aponta que houve uma mudança grande nos preços em Mariana, em especial nos alugueis. Isso contribuiu para que o povo marianense tivesse uma certa antipatia com as pessoas novas que chegavam, sentindo que elas estariam "invadindo o nosso espaço", como a própria Eloisa descreve distraidamente.

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